"A finalidade da educação...é contestar o impacto das experiências do dia-a-dia, enfrentá-las e por fim desafiar as pressões que surgem do ambiente social.Mas será que a educação e os educadores estão à altura da tarefa? Serão eles capazes de resistir à pressão? Conseguirão evitar ser arregimentados pelas mesmas pressões que deveriam confrontar?"

Zygmunt Bauman, 2007


domingo, 7 de novembro de 2010

A elite na sociedade líquido-moderna. Artigo de Zygmunt Bauman


Em artigo para o jornal La Repubblica, 19-01-2009, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman analisa as relações entre a cultura "intelectual" e a cultura "popular". E afirma que "a cultura líquido-moderna não tem 'pessoas' para 'cultivar', mas sim clientes para seduzir".
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Por Zygmunt Bauman


Os conceitos de
"being in a vanguard" (em inglês) ou "en avant-garde" (em francês), cunhados originalmente na linguagem e pela prática militar e, em seguida, transplantados, como metáfora, para outros setores da vida, significam mais do que um mero “estar na vanguarda”, em primeira linha, avançados mais à frente do que os outros arriscam estar; implicam traçar um novo caminho, tornar uma estrada transitável, tomar fundamentos sólidos que o abririam à circulação; em breve, sugiro mostrar, abrir e liberar a estrada até que os outros entrem e sigam adiante. Todas essas sugestões e essas implicações baseiam-se em um pressuposto às vezes explícito, às vezes tácito: que existem alguns “outros” (se já o sabíamos ou se até agora nunca pensamos) que deveriam estar desejosos e entusiasmados para seguir, não apenas quando a vanguarda tenha terminado o seu trabalho preparatório de reconhecimento. (...)

Além do pressuposto de preparar/liberar/mostrar o percurso, o conceito de “vanguarda” comporta a visão de um movimento para frente – de progresso. Por essas duas razões, os futuristas, os impressionistas, os cubistas, os fauvistas, os surrealistas, os dadaístas, os expressionistas abstratos ou não, e numerosos outros movimento artísticos dos estimulantes tempos inclinados ao futurismo, estava plenamente no seu direito quando tomaram emprestada a ideia de vanguarda para descrever a sua posição e declarar as suas intenções. Pelas mesmas duas razões, porém, atribuir ou adotar a metáfora da “vanguarda” para descreve ou autodefinir novidades artísticas nos nossos tempos só poderia querer dizer roubar os méritos de algum outro, na esperança de que, enquanto isso, os ladrões se apropriem das belas lembranças da glória passada.

Os movimentos vanguardistas de um tempo (mais precisamente, do início e da metade do século XX – os períodos anteriores à passagem do Estado “sólido” para o “líquido”) se consideravam, enquanto isso, veículos, e com plenos poderes, mas, sobretudo, unidade avançada do progresso com uma missão crucial a se realizar: ajudar os seus semelhantes a sair do revestimento de aço da tradição gasta, exausta e sempre mais estéril na qual foram fechados e abrir os seus olhos a novos modos, até agora inexplorados e ainda evitados, não só para se compreender a arte, mas também para se estar no mundo. (...)

A vanguarda acreditava, como deveriam ter acreditado quando o culto do progresso era ainda a religião ascendente, e a fé nas férreas leis da história quase nunca ainda era interrogada, ter a história do seu lado. A história andava para frente e para trás, e assim faziam as artes, as tropas avançadas da cultura humana. As velas da história estavam esperando que o vento dos estúdios e dos laboratórios de arte soprasse. Quanto mais forte é esse vento, mas veloz andará a história...

Nada do que foi dito acima com relação às artes permanece ainda verdadeiro na nossa sociedade líquido-moderna de consumidores.
 
Stephen Fry, um ator britânico muito popular, sempre sobre os palcos do cinema e da televisão, renomado pela sua argúcia e o seu talento de narrador, modelo vivo do estilo de vida que os aspirantes membros da elite artístico-cultural gostariam tanto de abraçar, é um hóspede muito desejado em qualquer salão intelectual londrino e em qualquer festa que ambicione o posto de “fábula da cidade”, e um endereço muito desejado nas colunas de qualquer rede de contatos com uma razoável pretensão de prestígio e de relevo; em breve, uma pessoa de enorme influência sobre as mentes de qualquer coisa que pode ser definida como a atual “elite cultural”. Ao procurar explicar o fenomenal sucesso do sítio da Internet Facebook, o ótimo jornal British Sunday notava que “a multidão” dos seus usuários, insolitamente para os sítios de redes sociais, “incluía muitos tipos famosos” e sugeria que isso ocorria porque “de que outro modo você poderia pedir a Stephen Fry
para ser seu amigo?”.
 
Stephen Fry, uma celebridade respeitada por qualquer um que queira ser respeitado no mundo dos entendedores das últimas modas culturais, sentiu a necessidade de explicar e justificar aos leitores do Guardian
por que é aceitável para uma pessoa como ele, aclamada como modelo das mais refinadas e sublimes credenciais culturais, vestir, uma vez por semana, as roupas de “fã”, dedicando a sua coluna [texto disponível aqui, em inglês] ao último brinquedo eletrônico: dispositivo que é considerado como parte da cultura “popular” (no passado, os tempos felizmente desconhecedores do “politicamente correto”, conhecido como “cultura de massa”) ao invés da superiora/detratora alta ou intelectual (as denominações “alto” e “intelectual” não são mais utilizadas no atual jargão do politicamente correto, exceto como insulto, com escárnio e entre aspas).
 
Fry começa a sua declaração com uma confissão: “Os dispositivos digitais agitam o meu mundo. Isso poderia ser visto por alguns como um trágico consentimento. Não o ballet, a ópera, o mundo natural, Stephen? Não a literatura, o teatro ou a política mundial?”. E se apressa a prevenir as potenciais acusações: “Bem, as pessoas podem ficar loucas por todas as coisas digitais e ainda assim ler livros, podem ir à opera e olhar uma partida de cricket e comprar os ingressos do Led Zeppelin sem se quebrar em pedaços. (...) Você gosta de comida tailandesa? Mas o que há de errado com a italiana? Ei, calma lá. Eu gosto das duas. Sim, pode acontecer. Eu posso gostar de rugby e dos musicais de Stephen Sondheim. O alto gótico vitoriano e as instalações de Damien Hirst. Herb Alpert e Tijuana Brass e as peças de piano de Hindemith. Os hinos ingleses e Richard Dawkins. As primeiras edições de Norman Douglas e iPods. Bilhar, dardos e ballet. (...) Um amor pelos eletrônicos não me faz avesso ao papel, ao couro ou à madeira, a Natais à moda antiga, filmes de Preston Sturges e trilhas na mata”.

Alguns limites ainda são respeitados, e ultrapassá-los é coisa de incautos. No geral, porém, essa confissão e declaração públicas suplica ser lida como um decidido desafio ao conceito de
Pierre Bourdineau
de “distinção”, como principal aposta na batalha das artes, conceito que governou e otimizou a nossa concepção das artes e, mais geralmente, da “cultura” durante as últimas três décadas.
 
Stephen Fry tem a reputação de ser um trend-setter [definidor de tendências], mas é também o porta-voz mais confiável (e a personificação viva) das modas. Pode-se confiar nele pelo fato de que ele fala não só em seu nome, mas também em nome das centenas de milhares de militantes e dos milhões de membros aspirantes da “elite cultural” – pessoas que conhecem a diferença entre "comme il faut" e "comme il ne faut pas", e que são as primeiras a notar o momento em que essa diferença se torna diferente do que era um momento antes. E ele não errou nem desta vez.
Segundo um estudo escrito por Andy McSmith e publicado na edição online do Independent, notáveis acadêmicos reunidos na mais notável universidade – Oxford – proclamaram que “a elite cultural não existe”. A esse ponto, McSmith, procurando um título adequadamente pungente e estimulante, não encontrou, porém, uma adaptação: o que John Goldthorpe, um dos mais respeitados pesquisadores das Ciências Sociais de Oxford, e a sua equipe de 13 pesquisadores deduziram dos dados colhidos no Reino Unido, no Chile, na Hungria, em Israel, nos Países Baixos e nos Estados Unidos, é que não se pode mais encontrar pessoas superiores que se distingam das outras, inferiores àquelas, indo à ópera e admirando qualquer coisa que tenha sido atualmente marcada como “alta arte”, enquanto torcemos o nariz com “qualquer coisa vulgar como as músicas pop ou a televisão aberta”. O leopardo da elite cultura está muito vivo e com garras bem afiadas, apenas mudou as suas colorações, que podem ser chamadas – desde quando Richard A. Petersen da Vanderbilt University cunhou, em 1992, a palavra “onivoracidade” – óperas e músicas pop, “altas artes” e televisão aberta; um pedaço daqui, um pedaço de lá, ora isto, ora aquilo, como Petersen recentemente se expressou: “Assistimos a uma mudança na política da classe elitista, dos intelectuais que desdenham esnobemente toda a cultura popular baixa, plebéia ou de massa, aos intelectuais que consomem, de modo onívoro, uma vasta gama de formas de arte popular, além das intelectuais”. (...)
A cultura líquido-moderna não tem “pessoas” para “cultivar”, mas sim clientes para seduzir. E, diferentemente do seu predecessor “sólido-moderno”, não deseja mais fazer isso, no fim mas o antes possível, para terminar o trabalho. O seu trabalho consiste em tornar a própria sobrevivência permanente, tornando temporais todos os aspectos da vida dos seus velhos alunos, agora renascidos como clientes.
Fonte: Instituto Humanitas, Unisinos.

domingo, 10 de outubro de 2010

ISTOÉ entrevista Zygmunt Bauman.

Em 24 de Setembro deste ano, Revista IstoÉ publica online entrevista com o sociólogo polonês acerca de diversos pontos sobre o mundo contemporâneo.
Abaixo, entrevista na íntegra.

Zygmunt Bauman
"Vivemos tempos líquidos. Nada é para durar"
Sociólogo polonês cria tese para justificar atual paranoia contra a violência e a instabilidade dos relacionamentos amorosos

Adriana Prado

 O sociólogo polonês radicado na Inglaterra Zygmunt Bauman é um dos intelectuais mais respeitados e produtivos da atualidade. Aos 84 anos, escreveu mais de 50 livros. Dois dos mais recentes, “Vida a crédito” e “Capitalismo Parasitário” chegam ao Brasil pela Zahar. As quase duas dezenas de títulos já publicados no País pela editora venderam mais de 200 mil cópias. Um resultado e tanto para um teórico. Pode-se explicar o apelo de sua obra pela relativa simplicidade com que esmiúça aspectos diversos da “modernidade líquida”, seu conceito fundamental. É assim que ele se refere ao momento da História em que vivemos. Os tempos são “líquidos” porque tudo muda tão rapidamente. Nada é feito para durar, para ser “sólido”. Disso resultariam, entre outras questões, a obsessão pelo corpo ideal, o culto às celebridades, o endividamento geral, a paranóia com segurança e até a instabilidade dos relacionamentos amorosos. É um mundo de incertezas. E cada um por si. “Nossos ancestrais eram esperançosos: quando falavam de ‘progresso’, se referiam à perspectiva de cada dia ser melhor do que o anterior. Nós estamos assustados: ‘progresso’, para nós, significa uma constante ameaça de ser chutado para fora de um carro em aceleração”, afirma. Em entrevista à ISTOÉ, por e-mail, o professor emérito das universidades de Leeds, no Reino Unido, e de Varsóvia, na Polônia, falou também sobre temas que começou a estudar recentemente, mas são muito caros aos brasileiros: tráfico de drogas, favelas e violência policial.

Istoé -
 O que caracteriza a “modernidade líquida”?

Zygmunt Bauman -
 Líquidos mudam de forma muito rapidamente, sob a menor pressão. Na verdade, são incapazes de manter a mesma forma por muito tempo. No atual estágio “líquido” da modernidade, os líquidos são deliberadamente impedidos de se solidificarem. A temperatura elevada — ou seja, o impulso de transgredir, de substituir, de acelerar a circulação de mercadorias rentáveis — não dá ao fluxo uma oportunidade de abrandar, nem o tempo necessário para condensar e solidificar-se em formas estáveis, com uma maior expectativa de vida.

Istoé -
 As pessoas estão conscientes dessa situação?

Zygmunt Bauman -
 Acredito que todos estamos cientes disso, num grau ou outro. Pelo menos às vezes, quando uma catástrofe, natural ou provocada pelo homem, torna impossível ignorar as falhas. Portanto, não é uma questão de “abrir os olhos”. O verdadeiro problema é: quem é capaz de fazer o que deve ser feito para evitar o desastre que já podemos prever? O problema não é a nossa falta de conhecimento, mas a falta de um agente capaz de fazer o que o conhecimento nos diz ser necessário fazer, e urgentemente. Por exemplo: estamos todos conscientes das conseqüências apocalípticas do aquecimento do planeta. E todos estamos conscientes de que os recursos planetários serão incapazes de sustentar a nossa filosofia e prática de “crescimento econômico infinito” e de crescimento infinito do consumo. Sabemos que esses recursos estão rapidamente se aproximando de seu esgotamento. Estamos conscientes — mas e daí? Há poucos (ou nenhum) sinais de que, de própria vontade, estamos caminhando para mudar as formas de vida que estão na origem de todos esses problemas.

Istoé -
 A atual crise financeira tem potencial para mudar a forma como vivemos?

Zygmunt Bauman -
 Pode ter ou não. Primeiramente, a crise está longe de terminar. Ainda veremos suas conseqüências de longo prazo (um grande desemprego, entre outras). Em segundo lugar, as reações à crise não foram até agora animadoras. A resposta quase unânime dos governos foi de recapitalizar os bancos, para voltar ao “normal”. Mas foi precisamente esse “normal” o responsável pela atual crise. Essa reação significa armazenar problemas para o futuro. Mas a crise pode nos obrigar a mudar a maneira como vivemos. A recapitalização dos bancos e instituições de crédito resultou em dívidas públicas altíssimas, que precisão ser pagas pelos nossos filhos e netos — e isso pode empobrecer as próximas gerações. As dívidas exorbitantes podem levar a uma considerável redistribuição da riqueza. São os países ricos agora os mais endividados. De qualquer forma, não são as crises que mudam o mundo, e sim nossa reação a elas.

Istoé -
 Ao se conectarem ao mundo pela internet, as pessoas estariam se desconectando da sua própria realidade?

Zygmunt Bauman -
 Os contatos online têm uma vantagem sobre os offline: são mais fáceis e menos arriscados — o que muita gente acha atraente. Eles tornam mais fácil se conectar e se desconectar. Casos as coisas fiquem “quentes” demais para o conforto, você pode simplesmente desligar, sem necessidade de explicações complexas, sem inventar desculpas, sem censuras ou culpa. Atrás do seu laptop ou iPhone, com fones no ouvido, você pode se cortar fora dos desconfortos do mundo offline. Mas não há almoços grátis, como diz um provérbio inglês: se você ganha algo, perde alguma coisa. Entre as coisas perdidas estão as habilidades necessárias para estabelecer relações de confiança, as para o que der vier, na saúde ou na tristeza, com outras pessoas. Relações cujos encantos você nunca conhecerá a menos que pratique. O problema é que, quanto mais você busca fugir dos inconvenientes da vida offline, maior será a tendência a se desconectar.

Istoé -
 E o que o senhor chama de “amor líquido”?

Zygmunt Bauman -
 Amor líquido é um amor “até segundo aviso”, o amor a partir do padrão dos bens de consumo: mantenha-os enquanto eles te trouxerem satisfação e os substitua por outros que prometem ainda mais satisfação. O amor com um espectro de eliminação imediata e, assim, também de ansiedade permanente, pairando acima dele. Na sua forma “líquida”, o amor tenta substituir a qualidade por quantidade — mas isso nunca pode ser feito, como seus praticantes mais cedo ou mais tarde acabam percebendo. É bom lembrar que o amor não é um “objeto encontrado”, mas um produto de um longo e muitas vezes difícil esforço e de boa vontade.

Istoé -
 Nesse contexto, ainda faz sentido sonhar com um relacionamento estável e duradouro?

Zygmunt Bauman -
 Ambos os tipos de relacionamento têm suas próprias vantagens e riscos. Em um mundo “líquido”, em rápida mutação, “compromissos para a vida” podem se revelar como sendo promessas que não podem ser cumpridas — deixando de serem algo valioso para virarem dificuldades. O legado do passado, afinal, é a restrição mais grave que a vida pode impor à liberdade de escolha. Mas, por outro lado, como se pode lutar contra as adversidades do destino sozinho, sem a ajuda de amigos fiéis e dedicados, sem um companheiro de vida, pronto para compartilhar os altos e baixo? Nenhuma das duas variedades de relação é infalível. Mas a vida também não o é. Além disso, o valor de um relacionamento é medido não só pelo que ele oferece a você, mas também pelo que oferece aos seus parceiros. O melhor relacionamento imaginável é aquele em que ambos os parceiros praticam essa verdade.

Istoé -
 O que explicaria o crescimento do consumo de antidepressivos?

Zygmunt Bauman -
 Você colocou o dedo em um dos muitos sintomas da nossa crescente intolerância ao sofrimento – na verdade, uma intolerância a cada desconforto ou mesmo ligeira inconveniência. Em uma vida regulada por mercados consumidores, as pessoas passaram a acreditar que, para cada problema, há uma solução. E que esta solução pode ser comprada na loja. Que a tarefa do doente não é tanto usar sua habilidade para superar a dificuldade, mas para encontrar a loja certa que venda o produto certo que irá superar a dificuldade em seu lugar. Não foi provado que essa nova atitude diminui nossas dores. Mas foi provado, além de qualquer dúvida razoável, que a nossa induzida intolerância à dor é uma fonte inesgotável de lucros comerciais. Por essa razão, podemos esperar que essa nossa intolerância se agrave ainda mais, em vez de ser atenuada.

Istoé -
 E a obsessão pelo corpo perfeito?

Zygmunt Bauman -
 Não é o ideal de perfeição que lubrifica as engrenagens da indústria de cosméticos, mas o desejo de melhorar. E isso significa seguir a moda atual. Todos os aspectos da aparência corporal são, atualmente, objetos da moda, não apenas o cabelo ou a cor dos lábios, mas os tamanhos dos quadris ou dos seios. A “perfeição” significaria um fim a outras “melhorias”. Na cirurgia plástica, são oferecidos aos clientes cartões de “fidelidade”, garantindo um desconto nas sucessivas cirurgias que eles certamente irão realizar. Assim como a indústria de celebridades, a indústria cosmética não tem limites e a demanda por seus serviços pode, a princípio, se expandir infinitamente.

Istoé -
 O que está por trás desse culto às celebridades?

Zygmunt Bauman -

 Não é só uma questão de candidatos a celebridades e seu desejo por notoriedade. O que também é uma questão é que o “grande público” precisa de celebridades, de pessoas que estejam no centro das atenções. Pessoas que, na ausência de autoridades confiáveis, líderes, guias, professores, se oferecem como exemplos. Diante do enfraquecimento das comunidades, essas pessoas fornecem “assuntos-chave” em torno dos quais as quase-comunidades, mesmo que apenas por um breve momento, se condensam —para desmoronar logo depois e se recondensar em torno de outras celebridades momentâneas. É por isso que a indústria de celebridades está garantida contra todas as depressões econômicas.

Istoé -
 Como fica o futuro nesse contexto de constantes mudanças?

Zygmunt Bauman - 
 Nossos ancestrais eram esperançosos: quando falavam de "progresso", se referiam à perspectiva de cada dia ser melhor do que o anterior. Nós estamos assustados: “progresso”, para nós, significa uma constante ameaça de ser chutado para fora de um carro em aceleração. De não descer ou embarcar a tempo. De não estar atualizado com a nova moda. De não abandonar rapidamente o suficiente habilidades e hábitos ultrapassados e de falhar ao desenvolver as novas habilidades e hábitos que os substituem. Além disso, ocupamos um mundo pautado pelo “agora”, que promete satisfações imediatas e ridiculariza todos os atrasos e esforços a longo prazo. Em um mundo composto de “agoras”, de momentos e episódios breves, não há espaço para a preocupação com “futuro”. Como diz um outro provérbio inglês: “Vamos cruzar essa ponte quando chegarmos a ela”. Mas quem pode dizer quando (e se) chegar e em que ponte?

Istoé -
 Há cinco anos, a polícia de Londres matou o brasileiro Jean Charles de Menezes, alegando tê-lo confundido com um terrorista. Por que o mundo está tão paranóico com segurança?

Zygmunt Bauman -
 Essa obsessão e a nossa gestão dos assuntos globais, responsável por reforçá-la, constituem a ameaça mais terrível à nossa segurança. O fantástico crescimento das “indústrias de segurança”, juntamente com a crescente suspeita de perigo que ela evoca, são motivos para antever uma piora das coisas. Se não por qualquer outro motivo, então porque, na lógica das armas de fogo, uma vez carregadas, em algum elas deverão ser descarregadas.

Istoé -
 No Brasil, a violência é uma questão especialmente preocupante. Como o sr. enxerga isso?

Zygmunt Bauman -
 Para começar, as favelas servem como uma lixeira para um número enorme de pessoas tornadas desnecessárias em partes do País onde suas fontes tradicionais de sustento foram destruídas — para quem o Estado não tinha nada a oferecer nem um plano de futuro. Mesmo que não declararem isso abertamente, as agências estatais devem estar felizes pelo fato de o povo nas favelas tomar os problemas em suas próprias mãos. Por exemplo, ao construir seus barracos rapidamente e de qualquer forma, usando materiais instáveis, encontrados ou roubados, na ausência de habitações planejadas e construídas pelas autoridades estaduais ou municipais para acomodá-los.

Istoé -
 Essa ausência do Estado abriu espaço para os traficantes. O combate às quadrilhas às vezes é usado com justificativa para excessos da polícia. Por que tanta violência?

Zygmunt Bauman -
 As relações entre a polícia e as empresas de tráfico de drogas são, na apropriada expressão de Bernardo Sorj (sociólogo brasileiro, professor da Universidade Federal do Rio), “nem de guerra nem de paz”. Esse amor e ódio entre as duas principais agências de terror aumenta o estigma da favela como o local da violência genocida. Ao mesmo tempo, porém, também contribui para a “funcionalidade” das favelas na manutenção do atual sistema de poder no Brasil. A polícia brasileira tem um longo histórico de tratamento brutal aos pobres, anterior à proliferação relativamente recente das favelas. A brutalidade da polícia é mesmo para ser espetacular. Como não é particularmente bem sucedida no combate à criminalidade e à corrupção, a polícia, para convencer a população de seu potencial coercitivo, deve assustá-la e coagi-la a ser passivamente obediente.

Istoé -
 O sr. vê uma solução?

Zygmunt Bauman -
 Algo está sendo feito, mesmo que, até agora, não seja suficiente para cortar um nó firmemente amarrado por décadas, senão séculos. Um exemplo é o Viva Rio (ONG que atua contra a violência). Pequenos passos, talvez, sopros não fortes o suficiente para romper a armadura do ressentimento mútuo e indiferença moral de anos entre “morro” e “asfalto” no Rio. Mas a escolha é, afinal, entre erguer paredes de pedra e aço ou o desmantelamento de cercas espirituais.

Istoé -
 O que o Sr. diria ao jovens?

Zygmunt Bauman -
 Eu desejo que os jovens percebam razoavelmente cedo que há tanto significado na vida quando eles conseguem adicionar isso a ela através de esforço e dedicação. Que a árdua tarefa de compor uma vida não pode ser reduzida a adicionar episódios agradáveis. A vida é maior que a soma de seus momentos.

Fonte:


quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Medo Líquido.Entrevista com Zygmunt Bauman. Jornal "O Estado de São Paulo", 27-01-2008, por Flávia Tavares.

A crise financeira internacional é uma ameaça? Há razões reais para termos medo dela?




O aspecto mais assustador dos medos é que não temos, nem podemos ter, nenhuma certeza se eles são genuínos ou imaginários. Isso leva as pessoas a gastar mais em coisas de que não precisam e as faz apoiar políticos que não se preocupam com seu bem-estar. Não sou economista nem profeta, e seria desonesto de minha parte falar sobre os aspectos técnicos da crise financeira. Aliás, mesmo as pessoas com credenciais para isso estão fazendo previsões falsas, dando conselhos equivocados e sendo surpreendidas. Vivemos agora - como já vivíamos antes desse colapso nas bolsas de valores, do 11 de Setembro ou do Katrina - em um estado de medo permanente e incurável. Medos emanam de absolutamente qualquer coisa: falta de estabilidade no trabalho, constantes mudanças nas regras do jogo da vida, fragilidade nas parcerias, falta de reconhecimento social, ameaças de epidemias, comidas cancerígenas, possibilidade de ser excluído do mercado, ameaças à segurança pessoal nas ruas. Os medos são muitos e diferentes entre si, mas eles alimentam um ao outro, formando um estado de espírito que só pode ser descrito como “insegurança geral”. Nós nos sentimos ameaçados, mas não sabemos exatamente de onde vêm as ansiedades... Os medos estão flutuando no ar. Os especialistas nos dão diagnósticos conflitantes - o que ontem parecia impossível é anunciado como iminente e inescapável hoje. Por isso, estamos sempre “psicologicamente prontos” para um desastre e imaginamos que o mundo seja um contêiner de perigos. E, como disse o grande sociólogo W. I. Thomas há quase um século, se as pessoas acreditam que algo é real, elas vão agir de uma forma que vai tornar aquilo real.



Como temos reagido aos medos?



Nas últimas décadas, o apetite consumista aumentou muito e chegou a um nível insustentável no longo prazo. Precisaríamos dos recursos de três planetas Terra para sustentar esses níveis de consumo no mundo inteiro. Segundo David Leonhadt, em um artigo no New York Times, “nos últimos 16 anos, os consumidores americanos aumentaram o total de seus gastos em todos os trimestres - um período duas vezes maior do que a seqüência de aumentos anterior”. Essa farra de consumo foi majoritariamente feita a crédito, com pessoas contraindo empréstimos e se afundando em dívidas. Quem pode garantir que a crise atual não seja o capítulo inicial do longo e amargo despertar que costuma se seguir a períodos de alto consumo e auto-enganação? Por muito tempo suspeitamos que um momento de choque chegaria, mas abafamos essa desconfiança e tentamos diminuir as preocupações com os prazeres do consumo diário.



As reações ao medo no mercado financeiro se dão em cadeia. A queda na Ásia influencia o Brasil. O medo coletivo provoca efeitos ainda mais imprevisíveis e perniciosos?



Querendo ou não, nossas condições e destinos estão interligados, porque dependemos uns dos outros. Isto não quer dizer, porém, que tenhamos tirado alguma conclusão dessa interdependência ou tenhamos dado a devida atenção às conseqüências disso. Um obstáculo para o reconhecimento das responsabilidades mútuas é a falta de conhecimento das complexas interconexões entre nossas vidas. A maioria dos efeitos das ações e inações tende a aparecer como conseqüências imprevistas e efeitos colaterais surpresa. Precisamos de uma “epidemia planetária”, como a queda da Bolsa de Hong Kong contaminando a de São Paulo, para chamar a atenção do mundo para essa dependência mútua. Os resultados dessa interdependência sempre nos surpreendem e, por isso, são tão destrutivos. Podemos limitar esse estrago - apesar de não podermos eliminá-lo completamente - se dermos mais importância, na prática, ao bem-estar das pessoas que sofrem com o resultado de nossas ambições.



O movimento das bolsas de valores responde quase sempre a temores circunstanciais. Qual a lógica do capitalismo hoje?



O capitalismo tem uma lógica em seu funcionamento, mas essa lógica, como muitas outras operando nos destinos comuns, foi desregulada e “privatizada”. Assim, os efeitos coletivos e planetários das ações locais nos deixam despreparados. Pensamos em juntar forças somente depois de um desastre e aí já é tarde para prevenir uma catástrofe. Além disso, depois do choque e do momento mais sinistro da crise, retomamos velhos maus hábitos, tentando explorar o fato para aumentar os ganhos. Um exemplo recente e assustador é a tentativa de explorar as áreas virgens do Ártico para extrair petróleo, à custa da deterioração do clima. Novamente, a “lógica global” se prova impotente quando confrontada com a folia da “lógica privada”. Até outro desastre acontecer. Um desastre que não terá sido imprevisto - mas cujas conseqüências foram vistas com negligência.



A relação mais estreita entre os países não deveria nos ajudar a evitar potenciais perigos?



Sim, mas até aqui a globalização só mostrou sua natureza negativa. Essa natureza tende a ignorar as soberanias, as leis e os interesses locais da população. E essa natureza negativa quer abolir todos os impedimentos contra suas regras arbitrárias que regem as finanças, o comércio, as máfias, o tráfico de drogas e o terrorismo. As instituições de controle político e legal ainda se mantêm tão locais quanto antes; os braços são muito curtos para alcançar a fonte dos problemas. Poder e política, uma dupla que até pouco tempo estava casada dentro das nações-estado, estão desquitados e, agora, querem se divorciar. Temos cada vez mais políticos sem poder e poderes sem nenhum controle político.



O senhor diz, em seu livro Medo Líquido, que a globalização eliminou qualquer possibilidade de segurança, já que a abertura dos mercados e dos países acabou com as proteções. Como se deu esse processo?



Somente as forças “antiprotecionistas” são realmente globais hoje, considerando todo e qualquer ato de autodefesa como uma restrição imperdoável à liberdade. Espaço e distância não mais representam uma proteção e ninguém se sente seguro no próprio país. Somos forçados a procurar, em vão, soluções locais para problemas globais. Estamos a anos-luz de criar poderes eficientes que restrinjam os perigos globais. A globalização cumpriu sua missão, e todas as sociedades estão agora completa e realmente abertas, material e intelectualmente. Essa abertura tem hoje um novo brilho, com o qual Karl Popper, criador do termo “globalização”, nem sonhou. A globalização se tornou um processo seletivo de capital, vigilância e informação, coerção e armas, crimes e terrorismo, que não respeita os limites dos Estados. Se a idéia de uma sociedade aberta originalmente representava a autodeterminação de uma sociedade livre, orgulhosa de sua abertura, agora ela traz a assustadora experiência de uma população heterogênea e vulnerável, apavorada com sua incapacidade de se defender e obcecada com a segurança de suas fronteiras e dos indivíduos dentro delas - embora seja exatamente essa segurança que foge a seu controle. Em um mundo globalizado, segurança não pode ser garantida em um país ou em um conjunto de países. Não independentemente das vontades do restante do mundo.



Que outras conseqüências a natureza da globalização tem?



A justiça, condição obrigatória para a paz, também não tem garantias. A abertura pervertida das sociedades é a causa primária da injustiça e, conseqüentemente, dos conflitos e da violência. Foi a ação dos EUA, com seus satélites, como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e a Organização Mundial do Comércio, que propiciou condições para o subdesenvolvimento e seus perigosos subprodutos, como nacionalismo, fanatismo religioso, fascismo e, claro, terrorismo. O mercado sem fronteiras é a receita para a injustiça e para a desordem mundial. A falta de leis globais e a violência armada se auto-alimentam. Ao mesmo tempo, como demonstrou o economista francês Jacques Attali, em seu livro La Voie Humaine, metade do comércio mundial e mais da metade do investimento global beneficiam somente 22 países que abrigam 14% da população do mundo, enquanto os 49 países mais pobres, habitados por 11% da população mundial, recebem 0,5% do dinheiro desses investimentos e do comércio. A Tanzânia ganha US$ 2,2 bilhões por ano para seus 25 milhões de habitantes. O Goldman Sachs Bank ganha US$ 2,6 bilhões, divididos entre 161 acionistas. Na Europa e nos EUA gastam-se US$ 17 bilhões em rações para animais, enquanto, segundo especialistas, US$ 19 bilhões resolveriam a fome do mundo.



Países com maior desigualdade social, como o Brasil e outros emergentes, tendem a sentir mais medo?



A pobreza permanece como uma grande fonte de medo. A novidade é o medo da exclusão e da humilhação. Conforme um país se torna mais influente, a competição individual não é mais pela sobrevivência física ou pela satisfação de instintos básicos. Nem é mais pelo direito de decidir que tipo de vida esse indivíduo gostaria de levar. Aliás, presume-se que qualquer coisa que aconteça a esse indivíduo seja conseqüência do exercício desse direito. Divididos em indivíduos, somos encorajados a buscar um “reconhecimento social” pelas escolhas individuais. “Reconhecimento social” significa aceitar que o indivíduo que escolheu aquele tipo de vida seja decente e, assim, mereça respeito de outras pessoas decentes.



O que acontece quando esse reconhecimento social não vem?



Ocorre a humilhação. A pessoa se sente humilhada quando lhe é mostrado, com ações ou palavras, que ela não pode ser o que pensa que é. Não é à toa que o tão popular Big Brother seja chamado de “reality show”. Esse nome sugere que a vida fora das telas, a vida real, é como a saga dos competidores do programa. Nos dois ambientes, ninguém tem garantia de permanecer no jogo, de sobreviver. Não há dúvidas de que alguém será eliminado. A questão é quem. Não se cogita acabar com as eliminações (o que favoreceria a união de forças e a solidariedade), mas sim escapar da ameaça de eliminação e jogá-la para cima de outros competidores. Mas sentir-se excluído gera ressentimentos. Em uma sociedade em que a individualidade prevalece, essa é uma grande causa de conflitos. A ameaça de exclusão substitui a exploração e a discriminação como a forma mais comumente usada para justificar a violência individual contra a sociedade.



Esse é um fenômeno novo?



Pelo contrário, é tão velho quanto a humanidade. No entanto, as explicações mais comuns para o sofrimento estão se distanciando dos fatores coletivos e se tornando referências pessoais. Assim, a solução para esse sofrimento não seria uma reforma social, mas a vingança pessoal. Quando os indivíduos são forçados a desenvolver soluções individuais para problemas sociais, eles procuram os responsáveis por seu sofrimento e esses agentes são localizados, julgados e condenados de uma só vez.



Por que nos tornamos mais temerosos do que éramos antes?



O Estado havia encontrado a forma de convencer os cidadãos a ser obedientes: oferecia em troca a promessa de proteção contra as ameaças a sua existência. Não mais tendo condições de cumprir tal promessa, esse Estado acaba por mudar a ênfase da proteção contra os perigos à segurança social para os perigos à segurança pessoal - e, assim, “subsidiar” a batalha contra o medo. Os medos estão agora difusos, espalhados e indefinidos. Isto é o que os torna tão assustadores e de difícil eliminação. Essa característica “líquida” do medo o transforma em capital político e comercial - que os políticos e as empresas estão sempre tentados a reverter em algo lucrativo. O apelo popular de se fazer algo contra as causas desconhecidas das ansiedades e de combater as ameaças invisíveis pode ser distorcido e redirecionado para objetos que não são necessariamente responsáveis pela nossa insegurança, mas são convenientes do ponto de vista político e mercadológico. Essa mudança de foco não cura a ansiedade e, portanto, não diminuirá o suprimento de “capital do medo” - mas servirá para que sejam vendidos produtos relacionados à segurança e, por um breve período, reduzirá a tensão. Quando os medos da população se tornam uma tentação comercial, há poucas chances de eliminá-los pela raiz. Pelo contrário, os governos e os mercados têm interesse em manter os medos intactos e, se possível, aumentá-los.



Estamos mais vulneráveis aos perigos nas grandes cidades?



Áreas urbanas são locais onde inseguranças sociais são confrontadas de forma tangível. Num processo de distorção de seu papel histórico, nossas cidades não são mais abrigos contra os perigos, mas se tornaram o perigo em si. Amigos, inimigos e os misteriosos estranhos que não são nem um nem outro misturam-se e se esbarram nas ruas. A guerra contra a insegurança, os perigos e os riscos é travada dentro das cidades e, nesses campos de batalha urbanos, são feitas trincheiras e linhas de frente, pesadamente armadas.



Quais as conseqüências disso?



Quanto mais nos desligamos dos arredores, mais precisamos de vigilância. As casas em regiões urbanas no mundo inteiro existem agora para proteger seus moradores, não mais para integrar as pessoas em suas comunidades. A polarização não pára de crescer e, com ela, a interrupção nas comunicações entre as duas categorias de moradores das cidades. Enquanto os da parte mais rica estão conectados com o restante do mundo, os que habitam o lado mais pobre, normalmente desenhado com linhas étnicas, confiam apenas em sua identidade para defender seus interesses. Somente esse segundo grupo está circunscrito territorialmente. O primeiro grupo pode estar “no lugar”, como o segundo, mas nunca será “do lugar”. O resultado desastroso dessa relação nas áreas urbanas mais privilegiadas, habitadas pela elite global, são as áreas abandonadas, os guetos. Se há pretensões de manter essa distância intransponível para evitar uma contaminação entre as áreas, a política de tolerância zero e a expulsão dos sem-teto são um instrumento muito útil.



Qual é a diferença?



A classe mais alta não pertence mais ao lugar que habita, já que suas preocupações estão focadas em outro ponto. Antigamente, a população de uma cidade era a base de consumo para empresários e comerciantes e, assim, também era de sua responsabilidade. Agora, a elite está desligada de seus vizinhos e dos problemas da cidade, tão insignificantes quando comparados ao mundo virtual em que essa elite vive. A classe mais baixa tem o comportamento oposto. Os habitantes de áreas pobres estão condenados a ser daquela área e, portanto, suas preocupações são locais. A separação da nova elite global de seus antigos compromissos com a população local e o vácuo crescente entre os que se foram e os que foram deixados para trás são a semente da passagem social, cultural e política do estágio “sólido” para o “líquido” da modernidade.