"A finalidade da educação...é contestar o impacto das experiências do dia-a-dia, enfrentá-las e por fim desafiar as pressões que surgem do ambiente social.Mas será que a educação e os educadores estão à altura da tarefa? Serão eles capazes de resistir à pressão? Conseguirão evitar ser arregimentados pelas mesmas pressões que deveriam confrontar?"

Zygmunt Bauman, 2007


quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Entrevista de Zygmunt Bauman ao La Vanguardia.

Bauman: "Hemos vivido en un mundo irreal, de crecimiento ilimitado"

El filósofo ofreció una conferencia sobre la educación en el CCCB de Barcelona

Cultura| 11/03/2013 - 12:34h | Última actualización: 12/03/2013 - 09:47h
 Bauman:
Zygmunt Bauman, sociólogo, filósofo y ensayista, premio Príncipe de Asturias 2010 Pedro Madueño
 
Barcelona (EFE).- Sorprendido porque ve "mucho optimismo" en las calles de Barcelona, y eso no es lo que cuentan los diarios, el sociólogo Zygmunt Bauman ha considerado que en los últimos treinta años las sociedades occidentales han vivido "en un mundo irreal", en el que se pensaba que el crecimiento era ilimitado.
Bauman, que ofreció una conferencia en el CCCB, y cuenta con un nuevo libro, Sobre la educación en un mundo líquido(Paidós), ha mantenido en un encuentro con periodistas que durante estas décadas se ha vivido pensando en el "crecimiento ilimitado" y, de repente, "hay un shock y la gente se da cuenta de que el hoy es malo, mañana será peor y pasado mañana llegará el apocalipsis".
En su opinión, se vive en un mundo "como de alquiler", en el que todo se mueve rápidamente, con "cambios radicales que no se esperan", y que también ha definido como un "interregno, en el que se ve que las cosas que se han hecho hasta ahora no han funcionado, pero no se ha encontrado aún la manera de hacerlo diferente".
Advirtiendo, a sus 88 años, que él sólo estudió sociología para explicar lo que ocurre en las sociedades y "no para hacer profecías", ha opinado que se ha vivido "en el mundo de la ilusión", principalmente por la irrupción masiva de la tarjeta de crédito, que provocó el paso "de la cultura del ahorro a la del crédito".
Entiende el pensador de origen polaco que el "boom" del Bienestar se ha basado en que "gastábamos más dinero del que ganábamos, pidiendo préstamos a expensas de nuestros nietos, que pagarán el exceso de este consumismo".
"Ahora -ha proseguido- se ha visto que estábamos en una gran mentira y en un malentendido y cuando ha llegado el mundo real no es muy alentador".
Bauman, británico de adopción desde 1968, ha rememorado que en los años setenta el capitalismo buscaba "tierras vírgenes" para poderse expandir y fue cuando caló la idea de que "los hombres y las mujeres sin tarjeta de crédito no tenían ninguna utilidad, porque no daban beneficios a los bancos". "Las personas se transformaron en alguien que pedía dinero y eran fuente de beneficios constante para los bancos", ha apostillado.
Además ha argumentado que el sistema iba creciendo porque las entidades aseguraban a sus clientes que retornar la deuda no era ningún problema, con lo que las personas "o eran víctimas de una mentira o eran inocentes".
A pesar de la crisis, el padre del concepto de la "modernidad líquida" se ha mostrado cauto con respecto a las teorías que dan por muerto al capitalismo liberal, porque todavía -ha dicho- "se pueden crear tierras vírgenes", que no serán conquistadas por ningún ejército, porque sólo son necesarios "agentes bancarios".
Respecto al "divorcio" entre poder y política, ha hablado de desconfianza hacia el sistema, porque "el poder se ha evaporado en el ciberespacio y la política sufre un déficit de poder".
Sostiene que lo más importante a resolver durante el siglo será "volver a unir poder y política". "Es un trabajo difícil -ha agregado- pero si no lo hacemos no solucionaremos el problema".
Respecto al auge de los nacionalismos, ha querido recordar que él nació en Polonia en 1925 en el seno de una familia que debió emigrar en la década de 1930 para escapar del nazismo y que en 1968, otra vez en Polonia, se vio obligado a exiliarse a Inglaterra por las purgas del régimen comunista, sintiéndose principalmente europeo.
Ha razonado que antes la identidad "venía dada de nacimiento, igual que la clase social, que se heredaba". "La idea de identidad -ha argumentado- aparece cuando la idea de comunidad se debilita y nos empezamos a mover entre dos valores como la seguridad y la libertad, dos conceptos complementarios y a la vez opuestos".
Según lo que se está viendo, "ahora la gente quiere más seguridad por encima de la libertad y parece que haya una identificación con respecto a la comunidad que queremos que resurja". "Hemos entrado en una nueva época", pronostica.
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Fonte: Jornal La Vanguardia, Barcelona, Espanha, online.



Impressões sobre Zygmunt Bauman - Folha de São Paulo

Arquivo aberto
MEMÓRIAS QUE VIRAM HISTÓRIAS
Os canapés de Bauman
Leeds, 2011
Bruno Figueiredo/Divulgação
Zigmunt Bauman e o cineasta Henrique Goldman durante a entrevista na casa do sociólogo em Leeds
Zigmunt Bauman e o cineasta Henrique Goldman durante a entrevista na casa do sociólogo em Leeds

HENRIQUE GOLDMAN
EU ESTAVA EM Londres, no ano passado, quando fui contatado pelo ciclo de palestras Fronteiras do Pensamento para gravar em Leeds uma entrevista com Zygmunt Bauman, escritor e sociólogo do qual -santa ignorância!- nunca tinha ouvido falar.
Bauman é um dos maiores pensadores da atualidade, autor de livros como "Vida Líquida" e "Medo Líquido", entre dezenas de outros. Com percepção agudíssima do mundo e um texto mais poético do que acadêmico, é mestre em expor o elo invisível entre temas na aparência desconexos, como a vida de Sócrates (o filósofo, mas poderia ser o jogador) e o Facebook, Jean Paul Sartre e a ONU ou Barack Obama e a psicanálise freudiana.
Quando Bauman abriu a porta de sua casa, levei um choque. Fisicamente, era como imagino que serei aos 88 anos. Numa espécie de déjà-vu às avessas, senti que encontrava comigo mesmo no futuro. Um dia, já velho, talvez recordasse o encontro com um jovem (que era eu) -como num conto de Borges.
Senti de imediato um carinho gigantesco por aquele velhinho. Entrando na casa apinhada de livros, cheirando a Leste Europeu, fiquei com vontade de perguntar se ele também se reconhecia em mim, mas, com vergonha de parecer presunçoso, me contive.
Depois, quando vim a saber que ele nasceu em Poznan, na Polônia, a poucos quilômetros de onde nasceram meus avós paternos, passei a achar que provavelmente descendemos de uma mesma Eva mitocondrial judaico-polonesa.
A caminho de Leeds, a equipe de três cinegrafistas e eu já tínhamos almoçado e estávamos atrasados. Queríamos começar logo a entrevista, mas Zygmunt nos conduziu até a sala de estar, onde um verdadeiro banquete, preparado por ele mesmo, estava servido.
Era uma enorme variedade de canapés, saladas, frios, tortas e sobremesas. Insistimos em primeiro fazer a entrevista para depois comer, mas ele foi inflexível.
Como uma mãe judia, estava mais interessado em nos alimentar do que em dissertar sobre a vacuidade das relações interpessoais em tempos de globalização. Quando, já farto, recusei o segundo pedaço de cheesecake, ele disse: "Por favor, me dê mais uma chance. Só mais um pedacinho".
Na maravilhosa entrevista que concedeu ao Fronteiras do Pensamento (que pode ser vista em bit.ly/zigbauman), ele fala de temas como conflitos de identidade, obsolescência da nação-Estado e ambivalências da vida.
Mas, numa pausa, ele me levou a uma salinha ao lado, onde, acendendo seu cachimbo, me falou -com enorme senso de humor- da sua vida: solidão, dores da velhice e o passado que não volta.
No dia seguinte, escrevi um e-mail a um amigo: "Conheci Zygmunt Bauman, um velhinho maravilhoso por quem estou apaixonado. Não paro de pensar em tudo o que ele disse e de reviver cada momento. Nunca uma pessoa me comoveu tanto pela combinação de inteligência e sensibilidade".
Passei a devorar tudo o que ele escreve e escreveu. Sua voz e seu olhar são absolutamente presentes, mas parecem emanados das profundezas de tempos passados -para dissecar e revelar o nosso.
Desde aquele primeiro encontro, aquela forte impressão de espelho do tempo e déjà-vu ao avesso se dissipou, mas não a admiração e a vontade de ouvi-lo.
Sempre que posso, arrumo uma desculpa e volto a Leeds para revê-lo. Sou invariavelmente recebido com banquetes nababescos. Eventualmente temos conversas sérias.
Desde que conheci Zygmunt, engordei uns quilinhos. É uma relação que me nutre muito.
 
Fonte: Folha de São Paulo, online, 28 de Outubro de 2012.

sábado, 10 de agosto de 2013

VÍDEO: Educación líquida - Zygmunt Bauman

 
Neste interessante vídeo latino-americano, são apresentados alguns excertos de Bauman acerca do conceito de modernidade líquida e considerações sobre as repercussões subjetivas dessa condição sociocultural. Também são feitas inferências acerca dos desafios da educação contemporânea, a partir do livro "Los retos de la educación en la modernidad líquida"(2007), do autor polonês.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Zygmunt Bauman: estratégias para a vida.

Neste vídeo com o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, a Tv Cultura realizou uma edição especial, com ênfase em 5 tópicos da entrevista ("um projeto para a vida", "mundo conectado","democracia de talk-show", "a separação entre poder e política" e "uma receita para a felicidade"), na íntegra, realizada em 2011, para o fronteiras do pensamento e café filosófico.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Bauman lança livro "Sobre educação e juventude".

O mais recente livro de Zygmunt Bauman já está disponível nas livrarias para seus leitores. Trata-se de uma entrevista, com vistas a dar destaque para as questões que envolvem a vida do jovem contemporâneo, além de reflexões em torno da educação. Para os pesquisadores interessados nas temáticas que envolvem os jovens e as vicissitudes atuais da escolarização, trata-se de uma excelente leitura.

Fonte: http://www.zahar.com.br



 

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Entrevista: Bauman fala sobre a renúncia do Papa Bento XVI.

''Bento XVI trouxe o papado a um nível humano''. Entrevista com Zygmunt Bauman.  
Um papa que joga a toalha, como ele mesmo diz, "pelo bem da Igreja". É um gesto totalmente novo que assume o ambicioso objetivo de restituir dignidade moral a uma Igreja em crise. Assim pensa Zygmunt Bauman, sociólogo e filósofo polonês que, desde 1971, vive e leciona na Inglaterra. Bauman tornou-se célebre pela teoria da "sociedade líquida", com a qual explica uma "pós-modernidade" que se tornou cada vez mais presa do consumismo e de uma vida frenética quase desprovida de valores que as instituições em crise já não sabem como manter vivas.

A reportagem é de Alberto Guarnieri e Massimo Pedretti, publicada no jornal Il Messaggero, 13-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista.

Professor, a renúncia de Bento XVI também foi lida como o sacrifício de um pontífice intelectual provavelmente derrotado, além de pela idade e pelo mal-estar, pela crise de identidade da Igreja-instituição. O senhor concorda?


A realidade da Igreja é uma realidade institucional muito importante, que se diferencia de todas as realidades laicas, pois atua como mediadora entre Deus e homem. Bento XVI, com a escolha de renunciar, trouxe o papado a um nível humano, confessando-se publicamente e admitindo que todo ser humano, até mesmo sendo papa, tem limites.

Mas, recuperando individualmente essa humanidade, Joseph Ratzinger não coloca em risco a sacralidade da Igreja e da figura do vigário de Cristo?

A grandeza do gesto de Bento XVI também pode ser explicada assim: o homem que é herdeiro de São Pedro decidiu despojar-se da sacralidade do seu ser reconhecendo o conflito, neste caso específico entre o papel e o homem (idoso, fraco, talvez doente). O Papa Wojtyla escolheu o papel; o Papa Ratzinger, na conclusão de uma longa reflexão, escolheu o homem.


Muitas das suas teorias referem-se ao ensino da Igreja. Falando de crise da esperança, o senhor destaca a excessiva confiança no progresso tecnológico e os danos que a economia capitalista desprovida de regras provoca.

Exato. Muitas vezes nos perguntamos se o humanismo, categoria em que o ensino da Igreja se insere, tem futuro. Eu me pergunto: o futuro tem um humanismo?

Se o gesto do papa é uma rendição, o senhor não teme que a crise que o senhor denuncia se agrave?

Ser humano significa ter esperança. Os animais sentem o fim antes de nós, mas só por instinto. Se ligássemos a cultura à mortalidade, não teria sentido criar a cultura. A escolha do papa é socrática? Mesmo que fosse, certamente não significaria o fim dos valores da Igreja.

O senhor se recusa a definir as suas análises como pessimistas. Onde está a possibilidade de uma mudança?

Esperar significa cultivar a solidariedade humana. Instituições e indivíduos estão em crise, é verdade. Deve ser reaberto um diálogo que, passo a passo, reforce a cooperação social, um jogo onde não há vencedores e vencidos, mas sim vantagens para todos.

Portanto, o senhor é otimista?

Conheço bem o Gramsci de vocês: o otimismo da vontade contra o pessimismo da inteligência.

Fonte: IHU online. 13/02/2013

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

VÍDEO: Zygmunt Bauman fala sobre a escola contemporânea a sociólogo brasileiro.




No dia primeiro de Maio de 2012, o Prof. João Manfio, sociólogo brasileiro radicado em Santa Catarina, realizou uma excelente entrevista com Bauman. Neste curto encontro, foi possível extrair do sociólogo polonês reflexões muito interessantes acerca dos problemas da escola contemporânea. Além disso, Bauman faz referências ao pensamento de Foucault e Bourdieu. Vale a pensa assistir. Abaixo, a matéria na íntegra, publicada em portal do sul do país, sobre a visita do sociólogo brasileiro a Leeds.

LITERATURA

No dia em que encontrei Zygmunt Bauman

Sociólogo saiu de Joinville para ir a Leeds, na Inglaterra, para conhecer o maior sociólogo vivo da atualidade. Entre situações inesperadas, ele encontrou também um grande ser humano

Dia frio e chuvoso como de costume em Leeds, na Inglaterra. Dia primeiro de maio, logo pela manhã, chego de trem à estação central. Acompanhavam-me pai e irmã. Lugar desconhecido, decidimos buscar taxi para chegar à casa do grande mestre. Leeds, com aproximados 800 mil habitantes, está entre as quatro maiores cidades da Inglaterra e foi o local escolhido pelo sociólogo Zygmunt Bauman para recomeçar a carreira acadêmica na década de 70 após ter obras censuradas na Polônia, sua terra natal. Durante 20 minutos, no tempo entre a estação e a casa sinto a ansiedade apertar. Pouco a pouco, o caminho conhecido das visitas em mapas da internet indica proximidade e a expectativa aumenta. Chego à frente da casa, portão aberto como quem espera por alguém. Ficha caindo, espera por mim! Mas, eis que ocorre o inesperado que transforma as vidas e desencadeia momentos que ficarão guardados na minha alma e no meu coração para sempre.

Ao fechar a porta do taxi, minha irmã quase perde o dedo esmagado. Momento de desespero e dor, planos afundando, expectativas indo embora, desastre tomando conta. Ela se contorcendo me diz: “Fica e realiza teu sonho, depois a gente se encontra”. E sem tempo para pensar no que fora dito, ela e meu pai embarcam no mesmo taxi que nos trouxera e se vão. Para onde? Como nos encontraremos de novo? Não tinha a mínima ideia. Por alguns segundos fico a pensar no que ocorreu, mas, o portão aberto me convida a entrar para realizar sonho antigo amadurecido desde a época da graduação. Imagino que, com uma cara apavorada, em decorrência do episódio, encontro o velhinho de 87 anos que só me era conhecido fisicamente pelas entrevistas televisivas ou pelas orelhas dos seus livros que levam sua foto com o inseparável cachimbo. Abre a porta com postura amável e receptiva. Estou em frente a um dos maiores, mais conhecidos e importantes sociólogos do mundo.


De cara, pede meu casaco e conto a ele o que ocorrera um minuto antes em frente a sua casa. Inevitável não fazê-lo. Me responde: “Que falta de sorte”, e se mostra preocupado com minha irmã. Me conta que preciso falar um pouco mais alto, pois, pela mesma falta de sorte, seu aparelho auditivo quebrara nessa mesma manhã. Convida-me a entrar numa sala que mais tarde fui perceber ser o local do contato dele com o mundo. Dali escreveu grande parte dos mais de 70 livros já publicados em diversos países. Me pergunta se quero chá ou café e, sob a mesa de centro, coloca um cesto com pães doces e croissants de chocolate. Agradecido, escolho café, e ele insiste que coma um pãozinho.

Lanço a ele questões referentes à sociologia da educação, especificamente sobre os autores Gramsci, no que diz respeito ao conceito de hegemonia e Bourdieu e seu conceito de reprodução. Minha ideia inicial era traçar relações entre a modernidade líquida e seus reflexos utilizando desses conceitos e autores para fazer crítica ao modelo educacional atual. Estudar também as características culturais da educação no Brasil utilizando as práticas cotidianas como fonte de análise de nossa pratica pedagógica. Com toda paciência de um mestre que deseja ensinar, mas sem antes me perguntar se me importo com a fumaça, acende seu cachimbo e começa a falar. Quanta coisa passa pela minha cabeça naquele momento. Sua voz, a sala repleta de livros e a fumaça me trazem um sentimento de privilégio e admiração antes mesmo que consiga prestar atenção em tudo o que diz. A análise da sociedade que chama de líquida, o problema do consumo desenfreado, o descontrole do capitalismo, a educação no novo contexto da informação e a falta de humanidade no trato social são tópicos que permeiam a conversa.

Por aproximadamente uma hora permanecemos ali, eu mais ouvindo do que falando, aprendendo e contemplando. Quando decido pegar um croissant, dá risada e diz: “Finaly”. Na minha cabeça, apesar de toda sensação de privilégio e de sonho realizado, também não cessa a cena do esmagamento do dedo. Cena que me acompanha até hoje e me faz frisar a testa com angústia quando vem à cabeça. Ele percebe minha preocupação e pergunta o que quero fazer a respeito. Sem saber a real situação de minha irmã, sem saber o que fazer, decido pedir pra ficar mais um pouco se não for incômodo, e ele prontamente responde que sim. Aquela altura, sem telefone celular ou qualquer referência de para onde poderiam ter ido decidi esperar.

Durante o tempo que ali estou, ele pede licença para trabalhar em sua mais nova obra, e então tenho outra oportunidade, única, de vê-lo produzir in loco. Antes de voltar ao seu novo livro, entra em página de compras pela internet e, após uma busca cuidadosa, confirma a compra de um novo aparelho auditivo. Fornece o número de seu cartão e, perspicaz, confere na sua caixa de emails se a compra fora confirmada. Após a certificação inicia o trabalho. Não quer perder um minuto sequer de seu tempo de produção e contribuição para sociedade.

Entre um parágrafo e outro, cachimbo na boca, digita no teclado e, vez em quando, olha pro nada em direção a seu jardim que faz frente para rua, pensando na próxima ideia. Aproximadamente uma hora depois, percebemos que, pra encontrar minha irmã, teríamos que procurar nos hospitais e que a espera não vingaria. Presume que existem duas possibilidades. Então, por telefone, inicia pesquisa nos hospitais a respeito da brasileira que esmagou o dedo. Na segunda ligação, a localizamos e combino com ela o que fazer para nos reencontrarmos. Ele chama uma táxi e, na hora da despedida, me abraça à moda brasileira e me diz para me cuidar e que está torcendo pela minha irmã.

Esse encontro foi muito esperado e programado por meses. Mas o detalhe trágico me revelou o autor para além de seus livros. Revelou quem eu não esperava, por ingenuidade ou por desconhecimento, o lado humano que só conhecia dos livros. A preocupação com o outro que até então só enxerguei na crítica ao modelo social individualista e desigual agora se manifestara em relação a mim. A gentileza e o acolhimento típicos de avô ou de pai mostram a pessoa por detrás das obras e confirma tudo que havia imaginado sem saber se era realmente possível. Definitivamente eu não estava na academia, mesmo em se tratando de conversa em tom acadêmico. Na verdade, eu passei bem longe dela. E, embora todas suas obras possam fazer parte do rol de obras estudadas no bojo acadêmico, percebi que elas, como deveriam ser todas, dizem sobre a vida pela prática e pelo exemplo.

Sua despreocupação em guardar filiação a escola teórica naquilo que escreve ou fala, algo que já admirava nele há mais tempo, mostra que se faz da vida o que ela deixa fazer ou o que a situação exige que se faça. Aprendi que a ideia de humanização e respeito, consideração e doação ao outro são as lições mais belas da vida e podem também fazer parte da academia por vezes fria e insensível. Não lhe falta respeito às escolas teóricas, lhe sobra humildade e autonomia para decidir por onde seguir e experiência pra não se envergonhar das escolhas. Exemplificou ali, na prática, o amor ao próximo e ganhou um fã incondicional ainda mais apaixonado do que antes.

Sem dúvida, foi a maior das aulas que já assisti. Na sua aparente solidão no sobrado grande e antigo num bairro bonito de Leeds, cercado de livros por todos os lados e à frente do computador, esse velhinho de 87 anos, totalmente conectado ao mundo atual virtual e real, mostra fôlego invejável para produzir mais e continuar a interpretar e contribuir para sociedade atual frente aos enormes desafios que se mostram. Faz jus às prateleiras das livrarias repletas de belas obras quando se fala em sociologia e merece todo respeito acadêmico e reconhecimento pelos anos de contribuição e análise do mundo. Compartilho com você, leitor, uma das mais marcantes experiências de minha vida acadêmica e pessoal, como forma de incentivar sua busca pela realização de sonhos e a contribuição necessária para um mundo melhor por meio do exemplo prático.

A propósito, minha irmã passa bem, após cirurgia no dedo indicador realizada lá mesmo em Leeds. Cicatriz maior nas nossas vidas será a grande lição de que nem sempre os planos se realizam como imaginamos – o que não significa dizer que deixam de ser grandes realizações.Nesse caso o inesperado, apesar de suas consequências, mostrou que as energias positivas são mais fortes que quaisquer outras. Obrigado aos meus queridos alunos e amigos que tanto torceram pelo sucesso na empreitada. À minha irmã e meu pai agradeço pelo amor incondicional que é recíproco não importa como, onde, quando e por que. Compartilho com vocês a alegria da realização e o retorno feliz. Hum, mais uma coisa: o croissant estava fantástico!

*João Nicodemos Martins Manfio é sociólogo, professor universitário em Joinville, mestre em sociologia política (UFSC) e doutorando em ciências sociais (PUC-SP). É membro da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS). Email: jnmanfio@hotmail.com.
JOÃO NICODEMOS MARTINS MANFIO*
 Fonte: http://www.clicrbs.com.br

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

ENTREVISTA: Bauman fala sobre "Danos Colaterais".

Em entrevista breve à Zahar, o sociólogo polonês falou sobre o conceito de danos colaterais, empregado em sua obra para analisar os efeitos da globalização da ditadura do mercado na vida contemporânea. A obra foi lançada este mês.
Abaixo, segue a entrevista na íntegra.
 
> Entrevista exclusiva: Zygmunt Bauman (9/01/2013)
Como poderíamos aplicar esse conceito dos danos colaterais na análise da sociedade contemporânea?
Danos colaterais, um conceito formulado em círculos militares para designar as vítimas não intencionais (inocentes) das operações militares, captura, na minha opinião, traços mais gerais da condição humana na desorganizada, fragmentada e individualizada sociedade atual – marcada pelo divórcio entre poder (a habilidade em ter as coisas feitas) e política (a capacidade de decidir sobre que coisas devem ser feitas). Em todas as áreas da vida nós podemos nos deparar com não planejadas e o não antecipadas (ou nos desculpar alegando inevitabilidade, se antecipado) vítimas de ações que visavam ostensivamente outro alvo, sem conexão e aparentemente distante. Essa situação aumenta consideravelmente um clima de ansiedade em relação a ameaças difusas e incertas...

A ideia de que os indivíduos são responsáveis pelos seus destinos e tem como construir uma vida melhor para si é recorrente nos dias de hoje. Pensar os danos colaterais sob esse prisma significaria mudar o estado das pessoas de vítimas para culpadas?
Você tem uma questão aqui e bastante importante! Todos nós somos “indivíduos por decreto”, o que supõe estar em controle de nossas próprias vidas e, assim, sendo completamente responsáveis pela nossa boa – ou má – existência, que, presume-se, seja resultado de nossos esforços ou da ausência de esforços adequados. Se tropeçarmos e cairmos, não temos ninguém a quem culpar além de nós mesmos... Isso, claro, é uma mentira – já que poucos entre nós, se não nenhum, podem ter um verdadeiro controle em relação as circunstâncias sobre as quais depositamos nossas metas e intenções, então a culpa da falha é, na verdade, compartilhada. Nós somos indivíduos “legalmente”, mas não “de fato”. Os onipresentes “danos colaterais” têm a maior responsabilidade pela largura desse, algumas vezes, intransponível fosso entre estes dois estados.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

A FILOSOFIA DA ROTINA. Entrevista de Zygmunt Bauman para La Repubblica.

 
Nós conhecemos mais a alegria das coisas duráveis, fruto de trabalho. O grande sociólogo explica como os laços foram substituídos por "conexões". E acrescenta: "Toda relação permanece única: não se pode aprender a querer bem". Desconectar-se é apenas um jogo. Fazer amigos online requer empenho.

A reportagem é de Raffaella De Santis, publicada no jornal La Repubblica, 20-11-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Amar-se e permanecer juntos por toda a vida. Tempos atrás, há algumas gerações, não só era possível, mas também era a norma. Hoje, ao invés, tornou-se uma raridade, uma escolha invejável ou louca, dependendo dos pontos de vista. Sobre esse assunto, Zygmunt Bauman já voltou várias vezes (e também o faz em seu último livro, Cose che abbiamo in comune [Coisas que temos em comum], publicado pela editora Laterza).

Os seus trabalhos são ricos em considerações sobre o modo de viver as relações: hoje estamos expostos a milhares de tentações, e permanecer fiel certamente não é nada óbvio, mas se torna uma maneira para subtrair ao menos os sentimentos da dissipação rápida do consumo. “Amor líquido”, lançado em 2003, partia justamente daí, da nossa dilaceração entre a vontade de provar novas emoções e a necessidade de um amor autêntico.

Eis a entrevista.


O que é que nos leva a procurar sempre novas histórias?

A necessidade de amar e ser amados, em uma contínua busca de satisfação, sem nunca estarmos certos de estarmos suficientemente satisfeitos. O amor líquido é justamente isso: um amor dividido entre o desejo de emoções e o medo do vínculo.

Portanto, estamos condenados a viver relações breves ou à infidelidade...

Ninguém está "condenado". Diante das diversas possibilidades, cabe a nós escolher. Algumas escolhas são mais fáceis e outras mais arriscadas. As escolhas aparentemente menos comprometedoras são mais simples do que as que requerem esforço e sacrifício.

Mas o senhor viveu um amor duradouro, com a sua esposa Janina, que morreu há dois anos.

O amor não é um objeto pré-confeccionado e pronto para o uso. É confiado aos nossos cuidados, precisa de um compromisso constante, ser regenerado, recriado e ressuscitado todo dia. Acredite, o amor satisfaz essa atenção maravilhosamente. Quanto a mim (e espero que também tenha sido assim para Janina), eu posso lhe dizer: assim como o vinho, o sabor do nosso amor melhorou ao longo dos anos.

Hoje, vivemos mais relações ao longo de uma vida. Somos mais livres ou apenas estamos mais amedrontados?

Liberdade e segurança são ambos valores necessários, mas estão em conflito entre si. O preço a pagar por uma maior segurança é uma menor liberdade, e o preço de uma maior liberdade é uma menor segurança. A maior parte das pessoas tenta encontrar um equilíbrio, quase sempre em vão.

Porém, o senhor envelheceu junto com a sua esposa: como vocês enfrentaram o tédio da cotidianidade? Envelhecer juntos está fora de moda?

É a perspectiva do envelhecimento que já está fora de moda, identificada com uma diminuição das possibilidades de escolha e com a ausência de "novidade". Aquela "novidade" que, em uma sociedade de consumidores, foi elevada ao mais alto grau da hierarquia dos valores e considerada como a chave da felicidade. Tendemos a não tolerar a rotina, porque, desde a infância, fomos acostumados a correr atrás de objetos descartáveis, a serem substituídos velozmente. Não conhecemos mais a alegria das coisas duráveis, fruto do esforço e de um trabalho escrupuloso.

Acabamos transformando os sentimentos em mercadorias. Como podemos novamente dar ao outro a sua unicidade?

O mercado farejou na nossa necessidade desesperada de amor a oportunidade de enormes lucros. E nos seduz com a promessa de poder ter tudo sem esforço: satisfação sem trabalho, ganho sem sacrifício, resultados sem esforço, conhecimento sem um processo de aprendizagem. O amor requer tempo e energia. Mas hoje ouvir aqueles que amamos, dedicar o nosso tempo para ajudar o outro nos momentos difíceis, ir ao encontro das suas necessidades e desejos mais do que os nossos tornou-se supérfluo: comprar presentes em uma loja é mais do que suficiente para recompensar a nossa falta de compaixão, amizade, atenção. Mas podemos comprar tudo, menos o amor. Não encontraremos o amor em uma loja. O amor é uma fábrica que trabalha sem descanso, 24 horas por dia e sete dias por semana.


Talvez acumulemos relações para evitar os riscos do amor, como se a "quantidade" nos tornasse imunes à exclusividade dolorosa das relações.

É isso. Quando o que nos circunda se torna incerto, a ilusão de ter muitas "segundas escolhas", que nos recompensem do sofrimento da precariedade, é convidativa. Mover-se de um lugar ao outro (mais promissor, por ainda não ter sido experimentado) parece mais fácil e atraente do que se comprometer em um longo esforço de reparação das imperfeições da habitação atual, para transformá-la em uma verdadeira casa, e não só em um lugar para viver. O "amor exclusivo" quase nunca é isento de dores e problemas – mas a alegria está no esforço comum para superá-los.

Em um mundo cheio de tentações, podemos resistir? E por quê?

Requer-se uma vontade muito forte para resistir. Emmanuel Lévinas falou da "tentação da tentação". É o estado do "ser tentado" que, na realidade, desejamos, não o objeto que a tentação promete nos entregar. Desejamos esse estado, porque é uma abertura na rotina No momento em que somos tentados, parece que que somos livres: já estamos olhando para além da rotina, mas ainda não cedemos à tentação, ainda atingimos o ponto de não retorno. Um instante depois, se cedermos, a liberdade desaparece e é substituída por uma nova rotina. A tentação é uma emboscada em que tendemos a cair alegremente e de bom grado.

Mas o senhor escreve: "Ninguém pode experimentar duas vezes o mesmo amor e a mesma morte". Apaixonamo-nos apenas uma vez na vida?

Não existe uma regra. A questão é que todo amor individual, assim como toda morte, é único. Por essa razão, ninguém pode "aprender a amar", assim como ninguém pode "aprender a morrer". Embora muitos de nós sonhemos em fazer isso e não falte quem tente ensinar cobrando por isso.

Em 1968, se dizia: "Queremos tudo e já". O nosso desejo de satisfação imediata também é filho dessa época?

O ano de 1968 poderia ter sido um ponto de início, mas a nossa dedicação à gratificação instantânea e sem vínculos é o produto do mercado, que soube capitalizar a nossa tendência a viver o presente.

Os "laços humanos" em um mundo que consome tudo são um obstáculo?

Eles foram substituídos pelas "conexões". Enquanto os laços requerem compromisso, "conectar" e "desconectar" é uma brincadeira de criança. No Facebook, podemos ter centenas de amigos movendo um dedo. Fazer amigos offline é mais complicado. O que se ganha em quantidade se perde em qualidade. O que se ganha em facilidade (confundida com liberdade) se perde em segurança.

O senhor e Janina nunca passaram por uma crise?

Como poderia ser de outra forma? Mas, desde o início, decidimos que estar juntos, embora difícil, é incomparavelmente melhor do que a sua alternativa. Uma vez tomada essa decisão, também se olha para a crise conjugal mais terrível como para um desafio a ser enfrentado. O exato oposto da declaração menos arriscada: "Vivamos juntos e vejamos como vai ser...". Nesse caso, mesmo uma incompreensão assume a dimensão de uma catástrofe seguida pela tentação de pôr fim à história, abandonar o objeto defeituoso, buscar satisfação em outro lugar.

O amor de vocês foi à primeira vista?

Sim, eu lhe fiz uma proposta de casamento e, nove dias depois do nosso primeiro encontro, ela aceitou. Mas foi necessário muito mais para fazer com que o nosso amor durasse e para fazê-lo crescer por 62 anos.
 
Fonte:http://www.ihu.unisinos.br/noticias/515813

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Periódico:Cadernos Zygmunt Bauman lança nova edição

 
Capa da revista
                                                                                                                                                                                                  

Cadernos Zygmunt Bauman, periódico semestral, acaba de lançar nova edição. Neste número, diversos artigos procuram articular o pensamento de Bauman com problemas teóricos contemporâneos nas ciências sociais e na educação, enquanto outros, especificamente, buscam desenvolver conceitos do autor polonês.
A revista recebe artigos em fluxo contínuo.
A edição atual pode ser acessada no link: