"A finalidade da educação...é contestar o impacto das experiências do dia-a-dia, enfrentá-las e por fim desafiar as pressões que surgem do ambiente social.Mas será que a educação e os educadores estão à altura da tarefa? Serão eles capazes de resistir à pressão? Conseguirão evitar ser arregimentados pelas mesmas pressões que deveriam confrontar?"

Zygmunt Bauman, 2007


segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

ENTREVISTA: Bauman fala sobre "Danos Colaterais".

Em entrevista breve à Zahar, o sociólogo polonês falou sobre o conceito de danos colaterais, empregado em sua obra para analisar os efeitos da globalização da ditadura do mercado na vida contemporânea. A obra foi lançada este mês.
Abaixo, segue a entrevista na íntegra.
 
> Entrevista exclusiva: Zygmunt Bauman (9/01/2013)
Como poderíamos aplicar esse conceito dos danos colaterais na análise da sociedade contemporânea?
Danos colaterais, um conceito formulado em círculos militares para designar as vítimas não intencionais (inocentes) das operações militares, captura, na minha opinião, traços mais gerais da condição humana na desorganizada, fragmentada e individualizada sociedade atual – marcada pelo divórcio entre poder (a habilidade em ter as coisas feitas) e política (a capacidade de decidir sobre que coisas devem ser feitas). Em todas as áreas da vida nós podemos nos deparar com não planejadas e o não antecipadas (ou nos desculpar alegando inevitabilidade, se antecipado) vítimas de ações que visavam ostensivamente outro alvo, sem conexão e aparentemente distante. Essa situação aumenta consideravelmente um clima de ansiedade em relação a ameaças difusas e incertas...

A ideia de que os indivíduos são responsáveis pelos seus destinos e tem como construir uma vida melhor para si é recorrente nos dias de hoje. Pensar os danos colaterais sob esse prisma significaria mudar o estado das pessoas de vítimas para culpadas?
Você tem uma questão aqui e bastante importante! Todos nós somos “indivíduos por decreto”, o que supõe estar em controle de nossas próprias vidas e, assim, sendo completamente responsáveis pela nossa boa – ou má – existência, que, presume-se, seja resultado de nossos esforços ou da ausência de esforços adequados. Se tropeçarmos e cairmos, não temos ninguém a quem culpar além de nós mesmos... Isso, claro, é uma mentira – já que poucos entre nós, se não nenhum, podem ter um verdadeiro controle em relação as circunstâncias sobre as quais depositamos nossas metas e intenções, então a culpa da falha é, na verdade, compartilhada. Nós somos indivíduos “legalmente”, mas não “de fato”. Os onipresentes “danos colaterais” têm a maior responsabilidade pela largura desse, algumas vezes, intransponível fosso entre estes dois estados.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

A FILOSOFIA DA ROTINA. Entrevista de Zygmunt Bauman para La Repubblica.

 
Nós conhecemos mais a alegria das coisas duráveis, fruto de trabalho. O grande sociólogo explica como os laços foram substituídos por "conexões". E acrescenta: "Toda relação permanece única: não se pode aprender a querer bem". Desconectar-se é apenas um jogo. Fazer amigos online requer empenho.

A reportagem é de Raffaella De Santis, publicada no jornal La Repubblica, 20-11-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Amar-se e permanecer juntos por toda a vida. Tempos atrás, há algumas gerações, não só era possível, mas também era a norma. Hoje, ao invés, tornou-se uma raridade, uma escolha invejável ou louca, dependendo dos pontos de vista. Sobre esse assunto, Zygmunt Bauman já voltou várias vezes (e também o faz em seu último livro, Cose che abbiamo in comune [Coisas que temos em comum], publicado pela editora Laterza).

Os seus trabalhos são ricos em considerações sobre o modo de viver as relações: hoje estamos expostos a milhares de tentações, e permanecer fiel certamente não é nada óbvio, mas se torna uma maneira para subtrair ao menos os sentimentos da dissipação rápida do consumo. “Amor líquido”, lançado em 2003, partia justamente daí, da nossa dilaceração entre a vontade de provar novas emoções e a necessidade de um amor autêntico.

Eis a entrevista.


O que é que nos leva a procurar sempre novas histórias?

A necessidade de amar e ser amados, em uma contínua busca de satisfação, sem nunca estarmos certos de estarmos suficientemente satisfeitos. O amor líquido é justamente isso: um amor dividido entre o desejo de emoções e o medo do vínculo.

Portanto, estamos condenados a viver relações breves ou à infidelidade...

Ninguém está "condenado". Diante das diversas possibilidades, cabe a nós escolher. Algumas escolhas são mais fáceis e outras mais arriscadas. As escolhas aparentemente menos comprometedoras são mais simples do que as que requerem esforço e sacrifício.

Mas o senhor viveu um amor duradouro, com a sua esposa Janina, que morreu há dois anos.

O amor não é um objeto pré-confeccionado e pronto para o uso. É confiado aos nossos cuidados, precisa de um compromisso constante, ser regenerado, recriado e ressuscitado todo dia. Acredite, o amor satisfaz essa atenção maravilhosamente. Quanto a mim (e espero que também tenha sido assim para Janina), eu posso lhe dizer: assim como o vinho, o sabor do nosso amor melhorou ao longo dos anos.

Hoje, vivemos mais relações ao longo de uma vida. Somos mais livres ou apenas estamos mais amedrontados?

Liberdade e segurança são ambos valores necessários, mas estão em conflito entre si. O preço a pagar por uma maior segurança é uma menor liberdade, e o preço de uma maior liberdade é uma menor segurança. A maior parte das pessoas tenta encontrar um equilíbrio, quase sempre em vão.

Porém, o senhor envelheceu junto com a sua esposa: como vocês enfrentaram o tédio da cotidianidade? Envelhecer juntos está fora de moda?

É a perspectiva do envelhecimento que já está fora de moda, identificada com uma diminuição das possibilidades de escolha e com a ausência de "novidade". Aquela "novidade" que, em uma sociedade de consumidores, foi elevada ao mais alto grau da hierarquia dos valores e considerada como a chave da felicidade. Tendemos a não tolerar a rotina, porque, desde a infância, fomos acostumados a correr atrás de objetos descartáveis, a serem substituídos velozmente. Não conhecemos mais a alegria das coisas duráveis, fruto do esforço e de um trabalho escrupuloso.

Acabamos transformando os sentimentos em mercadorias. Como podemos novamente dar ao outro a sua unicidade?

O mercado farejou na nossa necessidade desesperada de amor a oportunidade de enormes lucros. E nos seduz com a promessa de poder ter tudo sem esforço: satisfação sem trabalho, ganho sem sacrifício, resultados sem esforço, conhecimento sem um processo de aprendizagem. O amor requer tempo e energia. Mas hoje ouvir aqueles que amamos, dedicar o nosso tempo para ajudar o outro nos momentos difíceis, ir ao encontro das suas necessidades e desejos mais do que os nossos tornou-se supérfluo: comprar presentes em uma loja é mais do que suficiente para recompensar a nossa falta de compaixão, amizade, atenção. Mas podemos comprar tudo, menos o amor. Não encontraremos o amor em uma loja. O amor é uma fábrica que trabalha sem descanso, 24 horas por dia e sete dias por semana.


Talvez acumulemos relações para evitar os riscos do amor, como se a "quantidade" nos tornasse imunes à exclusividade dolorosa das relações.

É isso. Quando o que nos circunda se torna incerto, a ilusão de ter muitas "segundas escolhas", que nos recompensem do sofrimento da precariedade, é convidativa. Mover-se de um lugar ao outro (mais promissor, por ainda não ter sido experimentado) parece mais fácil e atraente do que se comprometer em um longo esforço de reparação das imperfeições da habitação atual, para transformá-la em uma verdadeira casa, e não só em um lugar para viver. O "amor exclusivo" quase nunca é isento de dores e problemas – mas a alegria está no esforço comum para superá-los.

Em um mundo cheio de tentações, podemos resistir? E por quê?

Requer-se uma vontade muito forte para resistir. Emmanuel Lévinas falou da "tentação da tentação". É o estado do "ser tentado" que, na realidade, desejamos, não o objeto que a tentação promete nos entregar. Desejamos esse estado, porque é uma abertura na rotina No momento em que somos tentados, parece que que somos livres: já estamos olhando para além da rotina, mas ainda não cedemos à tentação, ainda atingimos o ponto de não retorno. Um instante depois, se cedermos, a liberdade desaparece e é substituída por uma nova rotina. A tentação é uma emboscada em que tendemos a cair alegremente e de bom grado.

Mas o senhor escreve: "Ninguém pode experimentar duas vezes o mesmo amor e a mesma morte". Apaixonamo-nos apenas uma vez na vida?

Não existe uma regra. A questão é que todo amor individual, assim como toda morte, é único. Por essa razão, ninguém pode "aprender a amar", assim como ninguém pode "aprender a morrer". Embora muitos de nós sonhemos em fazer isso e não falte quem tente ensinar cobrando por isso.

Em 1968, se dizia: "Queremos tudo e já". O nosso desejo de satisfação imediata também é filho dessa época?

O ano de 1968 poderia ter sido um ponto de início, mas a nossa dedicação à gratificação instantânea e sem vínculos é o produto do mercado, que soube capitalizar a nossa tendência a viver o presente.

Os "laços humanos" em um mundo que consome tudo são um obstáculo?

Eles foram substituídos pelas "conexões". Enquanto os laços requerem compromisso, "conectar" e "desconectar" é uma brincadeira de criança. No Facebook, podemos ter centenas de amigos movendo um dedo. Fazer amigos offline é mais complicado. O que se ganha em quantidade se perde em qualidade. O que se ganha em facilidade (confundida com liberdade) se perde em segurança.

O senhor e Janina nunca passaram por uma crise?

Como poderia ser de outra forma? Mas, desde o início, decidimos que estar juntos, embora difícil, é incomparavelmente melhor do que a sua alternativa. Uma vez tomada essa decisão, também se olha para a crise conjugal mais terrível como para um desafio a ser enfrentado. O exato oposto da declaração menos arriscada: "Vivamos juntos e vejamos como vai ser...". Nesse caso, mesmo uma incompreensão assume a dimensão de uma catástrofe seguida pela tentação de pôr fim à história, abandonar o objeto defeituoso, buscar satisfação em outro lugar.

O amor de vocês foi à primeira vista?

Sim, eu lhe fiz uma proposta de casamento e, nove dias depois do nosso primeiro encontro, ela aceitou. Mas foi necessário muito mais para fazer com que o nosso amor durasse e para fazê-lo crescer por 62 anos.
 
Fonte:http://www.ihu.unisinos.br/noticias/515813

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Periódico:Cadernos Zygmunt Bauman lança nova edição

 
Capa da revista
                                                                                                                                                                                                  

Cadernos Zygmunt Bauman, periódico semestral, acaba de lançar nova edição. Neste número, diversos artigos procuram articular o pensamento de Bauman com problemas teóricos contemporâneos nas ciências sociais e na educação, enquanto outros, especificamente, buscam desenvolver conceitos do autor polonês.
A revista recebe artigos em fluxo contínuo.
A edição atual pode ser acessada no link: